AUGUSTO RUSCHI

 

"Cortam as matas ignorando tudo o que está dentro. Ninguém quer saber que lá têm milhares de animais, centenas de milhares de espécies de insetos, de plantas, que fazem o seu equilíbrio. E o equilíbrio natural é complexo, onde às vezes a ausência de um elemento pode causar uma falha muito grande. O homem é que perturba e desequilibra"

 



Augusto Ruschi nasceu em 13 de dezembro de 1915, em Santa Teresa, uma pequena cidade de colonização italiana nas montanhas do Espírito Santo. Foi o oitavo dos doze filhos do casal de imigrantes Giuseppe Ruschi e Maria Roatti. Seu pai era agrônomo, trabalhava com topografia e construção; veio para o Brasil em missão do Governo Italiano para auxiliar no desenvolvimento das colônias italianas.

Sua família tem mais de 2 mil anos de tradição no trabalho com ciência, no cultivo e estudo de plantas, sendo inclusive o nome da família originário da espécie Ruscus aculeatus ou azevinho do campo. Vários ancestrais, como Giovani Ruschi e Pietro Ruschi foram cientistas na Itália renascentista e participantes do grupo de Michelangelo e Galileo Galilei.


 

O interesse pelo estudo de insetos e outros animais, desde a infância, permitiu que conhecesse a fundo diversos ramos da biologia. Quando adulto, tornou-se professor titular da UFRJ e pesquisador do Museu Nacional, com vasta produção técnico-científica. Teve papel relevante na divulgação científica acerca da natureza, produzindo cerca de 450 trabalhos científicos, 22 livros e um grande acervo sobre a Mata Atlântica. Montou 2 instituições científicas (a saber, o Museu de Biologia Professor Mello Leitão e a Estação Biologia Marinha Ruschi) e também colaborou na elaboração da Fundação Brasileira de Conservação da Natureza (FBCN).

 

 

A grande paixão de Ruschi e seus mais importantes trabalhos científicos foram sobre beija-flores, orquídeas e demais plantas polinizadas por estes pássaros. Dedicou sua vida ao levantamento de dados científicos desta família de aves, que até então não possuía bibliografia específica. Foi o primeiro no mundo a reproduzi-los em cativeiro e domesticá-los, tornando-se internacionalmente conhecido por estas pesquisas e transformando-se na grande referência mundial sobre beija-flores, deixando a maior obra escrita no mundo sobre o assunto. Também foi a principal autoridade mundial sobre ecologia da floresta Atlântica, sendo o único cientista no mundo a viver 50 anos no interior da floresta para estudá-la, deixando significativas contribuições em estudos de morcegos, macacos, bromélias, orquídeas e impacto ambiental.

 

 

Ruschi defendia as Reservas como espaços de preservação que o mundo não poderia prescindir, por se constituírem em reservas genéticas de espécimes da natureza ameaçadas de extinção. Essa tese foi lançada num dos primeiros Congressos Florestais de âmbito internacional, em Roma, no ano de 1951, sendo muito bem recebida nos meios científicos internacionais, que passaram a difundi-la por toda a Europa. Assim, no início dessa década começaram a surgir Reservas Florestais por todo o mundo, uma das mais importantes políticas de preservação do meio ambiente. Após a Segunda Guerra Mundial veio a necessidade de intensificar a produção de alimentos, com a utilização de adubos químicos e um controle de pragas. Ruschi passou a observar a morte dos pássaros e insetos após a pulverização com agrotóxicos e outros efeitos provenientes do envenenamento da natureza, iniciando a discussão dos efeitos poluidores de agrotóxicos sobre os ecossistemas. Publicou vários trabalhos sobre o assunto, sendo um dos primeiros a denunciar à sociedade os perigos do DDT.

 

 

Para suas pesquisas, realizou 259 excursões científicas por todos os lugares do mundo, da Patagônia ao Alasca, registrando todas as suas observações sobre a natureza, os animais e as plantas em publicações repletas de fotografias e slides. Em suas andanças pelas florestas, Ruschi testemunhava as agressões que estas sofriam. Dizia que se as matas fossem destruídas morreria de tristeza. A indignação dele aumentava à medida que aprofundava o assunto. Enfrentava autoridades, empresas e até a própria justiça para defender as matas virgens e as reservas ecológicas. “Cortam as matas ignorando tudo o que está dentro. Ninguém quer saber que lá têm milhares de animais, centenas de milhares de espécies de insetos, de plantas, que fazem o seu equilíbrio. E o equilíbrio natural é complexo, onde às vezes a ausência de um elemento pode causar uma falha muito grande. O homem é que perturba e desequilibra”, dizia.

Em 1977, transformou-se em mito nacional ao enfrentar corajosamente o Governador do Estado do Espírito Santo, que baixara um decreto determinando a implantação de uma fábrica de palmitos enlatados, que seriam extraídos na Reserva de Santa Lúcia (Estação Biológica do Museu Nacional, com milhares de orquídeas catalogadas e 20 mil árvores numeradas com plaquetas de identificação, reconhecida como uma das regiões mais ricas do mundo em flora epífita, trabalhada por Ruschi durante mais de 40 anos sem permitir que se cortasse um galho de árvore ou se retirasse uma planta). Ruschi recebeu os fiscais do governo, que vieram fazer a topografia da reserva, mas não deixou que eles entrassem. O governador avisou a Polícia Federal e Ruschi, a imprensa nacional e internacional. A pequena cidade de Santa Teresa foi invadida por jornalistas, que divulgaram para todo o país um dramático e realista apelo de Ruschi pela preservação da Reserva. Chegaram centenas de manifestações de apoio do mundo todo e diante de tamanha repercussão, o Governador recuou nas intenções e a Reserva de Santa Lúcia foi salva da ameaça de destruição.

 

 

Foi neste momento que a obra de Ruschi saiu dos livros, da pesquisa de campo e dos trabalhos científicos e ganhou corpo e forma para a opinião pública nacional, transformando-o num símbolo contra as agressões ao meio ambiente. Conseguiu, por várias vezes, evitar que grandes áreas florestais fossem devastadas, e dizia que no tempo que lhe restasse de vida continuaria defendendo a floresta brasileira, pois sabia que assim também defendia a humanidade.

 

 

Ruschi foi uma das poucas vozes que se ergueram, no período do Governo Militar, para denunciar a derrubada de áreas na Amazônia, que ele considerava o maior crime contra a vida no planeta, assim como os equívocos no projeto de ocupação desta região.


Em 1985, a saúde já fragilizada por várias malárias e esquistossomoses que contraiu durante as pesquisas de campo, tornou-se ainda mais frágil como efeito da hepatite C que o acometia. Anos antes, também havia sido envenenado por sapos dendrobatas no Amapá, cujo veneno pode ter comprometido as funções hepática e renal. No dia 23 de janeiro de 1986 reuniu-se com índios no Parque da Cidade, no Rio de Janeiro, para um ritual indígena de purificação e cura dos males, após diversos tratamentos médicos convencionais. O evento comoveu o Brasil, tendo repercussão internacional. Morreu no dia 3 de junho, após agravamento do quadro de saúde. A seu pedido foi enterrado no solo da Reserva Biológica de Santa Lúcia, e coincidentemente, no dia 5, Dia Mundial do Meio Ambiente.

 

 

 

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